Thursday 24 January 2008

Pesados, esses mal amados...

Hoje, o meu amigo do país de Gales Glyn, encontrou-me e disse-me com um sorriso de orelha a orelha: " Já viste o meu autocarro?" Não me estava a perguntar pelo horário das camionetas...Ele COMPROU mesmo um autocarro. Conforme quem compra um Mini, ou uma Vespa...

Um Bristol VE de 1962 pertencente á ex-National . Com o interior a cheirar a napa e com os varões cromados. Com uma máquina de bilhetes antiga e tudo. Com um motor Leyland "deitado" de 182 CV. Com aquelas campaínhas cromadas a dizer "stop". Com pegas de couro seguras no tejadilho. Lembro-me de ver a mesma expressão no rosto, quando os gajos da minha rua compravam uma Zundapp e iam para o café acelerar em seco, e fumar.

No entanto, em Portugal, o "sector" dos pesados clássicos tarda em despertar. Normalmente, a palavra "pesado" só gera interesse a profissionais e a mecânicos impregnados de óleo e desperdício no bolso.

Um pesado clássico, foi um veículo que operou por vezes dia e noite, sob as mais duras condições , e que eventualmente só se "reformou" após lhe ter sido detectada uma avaria grave, ou por falência da empresa.

" Mas como raio pode uma pessoa "normal" manter um autocarro ou um pesado? " -Mesmo o simples facto de o estacionar , é um quebra-cabeças... Depois temos a questão da manutenção, onde por vezes temos de recorrer a ferramentas pneumáticas , chaves dinamómetro, tubos e chaves luneta a partir do numero quarenta. Depois temos os tubos hidráulicos, os depósitos de ar, as bombas, os repartidores e todo um universo estranho a um comum entusiasta de automóveis ligeiros.

Os proprietários de pesados, recorrem a diversas formas de armazenamento dos seus veículos. Na maior parte das vezes, muitas empresas não se importam de deixar guardar o autocarro no pátio, tendo como contrapartida a pintura de um anúncio na carroçaria. Mas na maior parte das vezes, é combinado um pagamento justo, e por vezes, no caso de o pesado ter pertencido outrora aquela empresa, os donos deixam estacionar gratúitamente , e com muito gosto. É o caso de Glyn. A transportadora local, facilita o parqueamento do autocarro de Glyn, que outrora operou. Mesmo em caso de avaria grave, disponibilizou as oficinas e equipamento para um eventual "desenrascanço".

O equipamento e as ferramentas são guardadas no interior do autocarro, numa zona adaptada na cabine dos passageiros, trancada . Como forma de se financiar, Glyn efectua viagens "gratúitamente" a diversos sítios de Inglaterra, onde os passageiros e suas familias podem "oferecer" uma ajuda para o Gasóleo. Estes veiculos não estão autorizados a cobrar bilhetes aos passageiros, pois não possuem licença de operador.

E a manutenção? Um pesado clássico foi desenhado para resistir a duras condições de trabalho, com uma severidade medonha. O autocarro de Glyn,por exemplo, trabalhava ininterruptamente desde as quatro da manhã, até à uma da madrugada do dia seguinte, só parando para ser limpo, verificado, e reabastecido. Carregando cerca de sessenta passageiros por viagem. E tinha de travar eficazmente sempre! Fazia uma média de 200 KM por dia, ladeira acima e ladeira abaixo.

Por isso, uma vez feita uma recuperação num veículo desta natureza, é certo que ele irá considerar uma brincadeira ir de vez em quando a um passeio ou outro. Uns travões podem durar cerca de DEZ anos, nestas circunstâncias, em vez de dois meses. Um Clássico pesado não tem as modernas suspensões a ar computorizadas, reguladas por válvulas e solenóides, mas robustas e indestrutíveis molas de "carroça". Um pesado tem normalmente um sistema de 24 Volts, muito resistente .

E para guiar um pesado? Preciso de carta de pesados? Não. Pode-se guiar mesmo um "Doubledecker" com carta de ligeiros, desde que não se transporte mais de nove pessoas, incluindo o condutor.Isto claro está, em Inglaterra...

É certo que a questão financeira da manutenção , é um entrave, mas estes veículos tem oportunidades de se auto-financiarem que por exemplo os ligeiros não têm. É claro que um entusiasta não vai deixar de ter um Mini, para ir comprar uma Scania, mas as empresas tem de começar a perceber o retorno que podem ter por apoiarem e salvarem este património da nossa História colectiva, que trabalhou incansávelmente nos bastidores anos a fio. Imaginem por exemplo um camião dos anos quarenta estacionado com um anúncio. Ou um "doubledecker" como os que a Carris tinha, coberto com um painel publicitário autocolante.

Em Inglaterra o fenómeno dos pesados clássicos está ao rubro, com inúmeros encontros, publicações e comerciantes dedicados ao tema.
Por exemplo, onde mais poderia eu comprar um blusão da AEC?...

Esperemos que um dia póssamos mostrar aos nossos filhos, como eram os pesados antigamente...

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