Como sempre, não podia vir para aqui falar de cilindradas e potências, e o Renault 4 assim e o Reanult 4 assado. Foram fabricados X, na fabrica Y, com os motores A e B, etc. Venho aqui falar sobre o modo como encaro a Renault 4 como veículo, e como fenómeno.
Cresci a ouvir gabar a Renault 4. Que era um pau para toda a obra, que levava desde tijolos a sacas de batatas, e que só acabava a sua "comissão", quando estivesse com o motor a cair no chão, ou sem fundo. Passei toda a minha vida, a ver "Quatro latas"nos Bombeiros, na Câmara Municipal, a carregar fiscais barrigudos para cima e para baixo, a ver a companhia dos telefones e da electricidade a arranjerem postes, e gajos das obras cobertos de lama a estacionarem-nas ao pé das JCB junto aos contentores que serviam de escritório nas obras.
Uma "Quatro Latas", não era carro que uma pessoa comprasse para a família. Isso era como hoje comprar uma Berlingo de dois lugares para o mesmo fim. Quer dizer, há quem o faça, mas não é logo a primeira coisa que nos vem à cabeça quando pensamos numa Renault 4.
Nos anos setenta e oitenta, o grosso das empresas tinha R4 nas suas frotas. Por isso, coube ao meu Pai uma. Novínha em folha. A matrícula era DU. O cheiro a napa, que só os carros novos tinham, fazia daquele objecto de luxo, algo com que o Simca 1301 não podia competir. Por isso, eis que o meu primeiro carro novo " a estrear", foi um Renault 4. "L", claro. Chamam "Quatro L" a todas a R4, mas isso é uma enormidade, porque havia muitos "4", que não eram "L". Assim como haviam muitos Minis que não eram "Cooper S", e ninguém anda por aí a dizer que teve um "Mini Cooper S", por dá cá a quela palha. Mas pronto.
Havia mais R4 na empresa. Principalmente 4 FV, as "Furgunetas", estas sim, as "Renault 4 para trabalhar". As "Berlingo" do tempo dos enchumaços dos ombros e dos "Wham!" As empresas comunicavam por CB, e por isso, era "baril" ( Ou buéda fixe) um gajo ir a guiar e a empunhar o microfone em pose policial. Ninguem vinha cá multar por causa dos telemóveis. Era vir a guiar desde a Costa da Caparica até ao Centro Sul, só com uma mão, e ninguém morria por causa disso.E claro, com uma antena do tamanho do Cristo-Rei no tejadilho...
Os anos passaram-se. Muitos mesmo. As sedutoras R4 empresariais de cheiro a napa nova, eram agora meros carros abandonados debaixo de arcadas de prédios, e estufas onde as velhotas punham comer para os gatos. As Câmaras municipais, por intermédio desses parasitas frustrados, conhecidos por GDC ( Gajos da Câmara), entretinham-se a comercializar sucata pela porta do cavalo, vendendo carros rebocados compulsivamente da porta das pessoas. Subitamente, os sucateiros estavam pejados de "quatro latas".
O modelo destas fotos, veio parar ás minhas mãos, porque eu precisava de um ATRELADO!
" Epá, eu tenho uma Renault 4, há malta que as corta para fazer uns atrelados, podes ficar com ela..."Quando a fui buscar, vi que não podia cortar um modelo dos ultimos de 845 cc e de tablier dos antigos. Nem pensar. Além disso, o cheiro a napa, ainda parecia estar presente...Havia que salvar aquele exemplar.
Assim, não olhei a meios para recuperar de cima a baixo este exemplar, e instalar-lhe uns extras . Como ignição electrónica, volante Alpine, Jantes Rinaud ( Especialmente de França), e uma grade no tejadilho. Apesar de ter recuperado e testado o motor de arranque, este "empacotou" pasados uns meses, e deixei estar. Só quem tem um R4 com 845 cc, sabe o trabalhão para tirar um motor de arranque. Até o escape e o apoio do motor tem de sair! E a montagem completa do travão de mão!
Andei com este carro, por todo o País, e fui tolo o suficiente por me juntar a "clubes" que começaram muito bem, mas depois sucumbiram aos "doutoures", e só quem tinha uma Renault quatro com muito dinheiro gasto , e tinha um "dr" no Multibanco,é que era bom. A malta que ia alí com um betumezito no guarda lamas, era para "queimar" . A subida das quotas para valores mais altos do que um sócio do Rolls Royce club of Midlands paga por ano, desmotivou muita gente.
Por isso, esmoreci um bocado com o Renault 4.Está aí para baixo, dentro de um barracão. E há-de ficar.Prefiro largar-lhe fogo, do que colocá-la nas mãos de um burgesso endinheirado qualquer. Aquela, não vão cromar os parafusos da matrícula...
Um carro do povo, para a malta ir fazer uns picnics ao Alentejo, raspar a pintura nuns arbustos, e assar umas febras, tornou-se num brinquedo para ricos, para doutoures e endinheirados poderem gastar ali o dinheiro como se fosse um Jaguar E.
" Ai, estes parafusos da suspensão estão todos cromados!!
Pois estão! ...Mas onde estão os meus amigos daquelas tardes de Verão dos encontros gratuitos e das amizades que perduraram até hoje? Felizmente, ali para os lados dos Moínhos da Funcheira, alguém se lembrou de repôr a ordem...tirar a quatro latas das mãos dos "engenheiros" para devolvê-las ao povo.