Tuesday 16 March 2010

Experimente um super-carro!

Texto e fotos: Mike Silva no Reino Unido




Quando era puto, tinha um amigo"matulão" que me costumava empurrar ladeira abaixo no meu carro de rolamentos. Agarráva-me com força à corda que servia de "guiador" e encurvava-me para a frente olhando por entre as pernas. O pequeno carro de madeira evoluia ladeira abaixo com um ronco brutal proveniente dos rolamentos de esferas gripados, mas também graças ao barulho que o Albertino fazia a imitar um carro a acelerar.

Ganda pinta...

Hoje, quase quarenta anos decorridos sobre esses gloriosos tempos em que eramos putos e não sabíamos o que era desistir de sonhar, volto a lembrar-me do Albertino e do carrinho de rolamentos. Ou seja, ainda não deixei de sonhar. Em vez do Albertino, que foi para a Holanda e nunca mais o ví, tenho agora a empurrar-me as costas cerca de 450 cavalos. O Albertino não precisa de fazer barulho com a boca,porque hoje tenho um V8 italiano a fazer esse trabalho por ele. Em vez de rolamentos gripados , tenho pneus 285 R21 a chiar e a deixar cheiro de borracha queimada numa pista . O sonho permanece intacto, e foi ele que me trouxe aqui hoje.



"Olhe, de momento só temos este...se não se importar..."


Organizado pela empresa Dream Drivers Days ( Vão pesquisar), este evento é apenas mais um em apenas mais um autódromo ou aeródromo desactivado que permite às pessoas experimentarem um super-carro, por uma quantia justa. Permite que possamos dizer o que significa guiar um carro francamente mais potente do que tudo o que já guiámos até hoje. Chega-se, escolhe-se o carro, paga-se, entra-se e acelera-se! Tão simples como isto...



Hoje posso mesmo dizer: "Ora bem, deixa cá ver qual é que eu vou levar ..."


Existe uma pleiade ( Há tempos que não utilizava esta palavra. Preciso praticar o meu Português, senão esqueço-me...) de modelos que possamos experimentar. De Ferraris a TVR, Aston Martin a Porsche, Audi a Lamborghini, passando pelo estupidamente carro mais rápido do Mundo Ariel Atom, é " a escolher" como dizem na praça...

Tecto de abrir? Não, obrigadinho. Não pode passar dos 240...


Praticamente neste meu tempo de permanência no Reino Unido, já experimentei estes carros todos. Trata-se de repetir. O meu íntimo pede sempre "Ferrari", porque Ferrari é Ferrari, já diz o meu ilustre amigo Tiago Alves. Mas tirando o barulho orquestral do V8, Ferrari peca por ser demasiadamente "mitológico". Ao guiar um Ferrari, seja um Modena seja um Scaglietti, há sempre aquela impressão de que não podemos "estragar", porque é um Ferrari. Entramos a medo, perguntamos se podemos fazer, ficamos indecisos. Guiar um Ferrari, dá-nos um à-vontade tremendo, como tentar entrar em tronco nú numa igreja.



"Tenha a bondade..."



Um Lamborghini não. O Gallardo que eu guiei hoje, estava coberto de pó e com jornais velhos por detrás do banco. Mal me sentei pisei o acelerador para ouvir aquele " BRUOOOOOOAAAAAARMMMMMPTTTT!" por detrás das costas. Um velho amigo, propulsionado por um mais "plebeu" motor Audi. Mais " cá da malta". Embora malta com dinheiro suficiente para comprar um bicho destes em vez de uma casa.



Audi!? Não venho aqui para andar de Audi! Não sou delegado de propaganda médica nem bancário.... ( Tá calado! O Lambo tem motor Audi...)


À minha frente, uma pista desactivada com três km de extensão. É ir até ao fundo, e vir para trás. Seis Km.Duas vezes. O que dá 12 Km aos comandos de um Lamborghini. Em prego a fundo. Mesmo aquilo que o médico me receitou. Sentado praticamente no chão, com um requintado tablier preto e um simbolo do"boi" de Ferrucio no volante ( O fabricante de tractores, chamava-lhe Enzo...), Malcolm Parton acompanhou-me nesta "festa", como pendura. Não se pode deixar um carro destas nas mãos de qualquer um, de qualquer maneira. O preço inclui seguro e combustível. Mas uma ordem de Malcolm é para respeitar. Por isso a 3/4 da pista, eis que me ordena que retire o pé do acelerador. É aí que olho para o ponteiro da velocidade, que desce vagarosamente desde os ...280! Duzentos. E. Oitenta! 2...8...0! Nem pareceu. Não temos tempo de olhar para os lados, apenas para a frente e para um campo aberto numa pista de aterragem de Boeings 747 com 50 metros de largura por três Km de comprimento.



"Steady on the brakes"



O chão parece que tem cola e alguém derramou uma tonelada de Bostik no pavimento... O barulho a cerca de um palmo das minhas costas assemelha-se a um elefante com dor de dentes. Um urro metálico ondulante e estridente.



"Pick the ouside of the runway, and easy on the steering , turn around"


Demos a volta, e o sangue volta lentamente ao resto do corpo. Uma vez alinhado o carro com as marcações centrais da pista, "mais do mesmo". Caraças! Sinto a pulsação nos dentes! Ganda pinta. O cinto não me deixa enterrar mais no banco, porque já estou praticamente "soldado" a este. A direcção é progressiva, e nota-se perfeitamente que fica mais sólida com a velocidade. É espantosa a insonorização no interior. Apenas um barulho "fórmula 1" na traseira, estável e crescente. Parece que se fôsse possível o barulho continuaria a subir até rebentar com o motor.



"That's it mate, bring it down"...


Demos mais uma volta. Na chegada, junto ao secretariado do evento, mais entusiastas se preparavam para realizarem o seu sonho. Entrarem na galeria dos mortais que foram empurrados num carrinho de rolamentos por um matulão chamado V8. Obrigado Albertino. Gostava de te rencontrar um dia destes. E agradecer-te por teres servido de "V8 de plástico" a um puto com sonhos naquela rua pobre da margem Sul. Se apareceres um dia destes por aqui, sei de um sítio porreiro com uns carros de rolamentos fixes onde podemos ir recordar os velhos tempos...


Como é bela a Vida no campo...

4 comments:

cadu1981 said...

que belo texto...

Blackbird said...

essa rua por acaso não era Carvalho Freirinha em Cacilhas?

O pessoal gostava de ir para lá descer a rua a abrir...!

Abraço

MS said...

Por acaso nunca calhou. Essa era a descida que ia para o largo... Nós iamos era para a rampa do olho de Boi e para a Azinhaga da Margueira que era um excerto de estrada alcatroada que dava para o local onde se encontra o novo quartel dos bombeiros.

Boas recordações...

Anonymous said...

Excelente texto e grandes oportunidades...