Nunca gostei muito do Jaguar E. Melhor dizendo, da "Cultura" que gira à volta do Jaguar E. Eu explico: Lá em Portugal, tenho uma amiga que é delegada de propaganda médica, que me diz que " se tivesse dinheiro", era um Jaguar E que comprava. Isto é preocupante, vindo de alguém cujo gosto pessoal de carros,passa por escolher entre um BMW série 3 ou um Renault Megane, tendo como parâmetros de escolha os espacinhos no tablier para meter trocos da portagem. Como o Megáne é "giríssimo", eis que os reboques da assistência na estrada têm agora mais um cliente para ir buscar à área de serviço de Oeiras com um tanque cheio de gasolina sem -chumbo 95. Um carro que diz em letras garrafais " Diesel" na bagageira...
Depois temos a malta do café. Sempre que davam aquelas reportagens no Telejornal, de malta com posses a passear num qualquer encontro caríssimo e exclusivo a bordo de calhambeques desengonçados, com música de Glenn Miller como pano de fundo, eles diziam " era um destes que eu queria".( Depois queixam-se da pouca difusão do panorama dos clássicos: Sempre com músicas a cheirar a mofo como banda sonora...)
"Já andaste num?"-Perguntava.
-"Não, mas mete estilo..."- classificavam.
-" Tem doze cilindros". Mas também um camião da TIR e um barco da Transtejo...
Mete estilo... O problema, é que eu também nunca tinha andado num. Quero dizer, andado, tinha, mas era sempre com um dono de cachimbo ao lado, a apontar-me com os óculos ( Ou "o óculos"), para o conta-rotações para não passar dos 3000,porque senão tinha de vir uma peça " de Inglaterra" que não havia. Qualquer tentativa para "apertar com o bicho" na A5, era sempre desaconselhada,por causa de uma afinação ou de uns pneus caros que tinham vindo " de Inglaterra".
Para mim, em suma, o Jaguar E sempre foi uma peça cara de museu utilizada por pessoas com dinheiro que pouco percebem de carros, para meter "estilo" a pessoas com falta de dinheiro que não percebem de carros.
Andou sempre tudo à volta de gostar de um carro sem muito bem saberem porquê. Ver um Jaguar E a acelerar " como deve de ser" sempre foi uma utopia e ficção científica. Como Portugal ter um Governo decente,por exemplo.Entretanto eis que descubro em Inglaterra um Jaguar E , e uma pista. Sem restrições. Sem "olhe que o friso do tejadilho se se perde, tem de vir de Inglaterra"... Estamos em Inglaterra,por isso, que se lixe. Pela primeira vez podía ver afinal o que era isso do Jaguar E. Como proprietário, em vez de um executivo de cachimbo, tinha alguém que me dizia " Desculpe não ter cinto de quatro apoios, tenha cuidado...". Ia guiar um Jaguar E-Type, que até tinha umas jantes e pneus para andar "mais à vontade", guardando as de raios para ir passear a fumar cachimbo.
Esqueci-me que este carro era inglês, e não americano. Na minha cabeça, um Jaguar E-Type seria uma espécie de "tábua com um motor", apenas um desenho belíssimo assente numa mecânica obsoleta, capaz de profundas acelerações a direito, mas traiçoeiro e desajeitado nas curvas. Rapidamente deixei caír o maxilar, ao aperceber-me de como pouco afundava num percurso de "slalom". As generosas dimensões do "E-Type, seguras de uma forma autoritária por um chassis que mistura o monobloco com uma estrutura multi-tubos,fazem perceber porque é que o Mundo ficou espantado quando apareceu o "E". Por mais que provoque o "gato", ele rí-se alarvemente das minha tentativas para o domesticar, e avisa-nos: O respeito pela maquinaria impôe-se e o Jaguar ameaça cravar-nos os dentes se pusermos o pé em ramo verde. O capot a levantar, o barulho de "caça" inglês a descolar para a batalha e o conta-rotações a subir de um modo obsceno, fizeram-me ranger os dentes e cerrar os punhos com força em volta do volante. Foi mesmo disto que o médico me receitou!
Acelerando com um silvo metálico quase bélico, e vendo apenas a saída de ar do capot no bordo junto ao para-brisas, eis que o "E" se catapulta empurrado por uma "primeira"propositadamente longa. Sinto-me envolto em tecnologia inglesa. Como se estivesse no interior de um motor "Merlin" ou no compartimento das bombas de um Vulcan. Os mostradores "Smiths" delicadamente apontam-me o comportamento, como um professor a mandar um aluno para o canto da sala com um simples abanar de cabeça. A resposta dos travões é surpreendentemente eficaz, detendo o "E" quase a pique, sem fadiga de maior. Excepto,talvez para os pneus.
A Jaguar foi a primeira marca, em 1958, a adoptar travões de disco de série nos seus modelos. O feeling a bordo é extraordinário, e o "pedigree" desportivo herdado dos XK e dos " D-Type" permanece intacto.Estou num Jaguar E-type, um dos mais emblemáticos carros da marca e da História do Automóvel. Um puro -sangue. Que carro impressionante. Inacreditável. Mais uma curva apertada, com o piso molhado a deixar agradavelmente " fugir" a traseira, e a frente a corrigir imediatamente com uma contra-brecagem perfeita. Magnífico. Outra curva agora para o outro lado. Agora uma pisadela no acelerador para ouvir aqueles três carburadores SU " Side-draught" a assobiar. Após uma sessão de dez minutos, saio dificilmente como entrei, para sentir o aroma misto de gasolina e metal quente a crepitar por debaixo do capot, emanando como uma fragância por entre as entradas de ar.
Os engenheiros não estiveram a fazer "isto" para andar a 30 a fumar cachimbo...
Como é possível um carro destes passar-me despercebido durante todos estes anos? Estes carros não são possívelmente adversários para os "racers" de hoje.E depois? Ninguém compara Pink Floyd com Eminem. Como ícone que marcou uma época, o " E" permanece incólume e a angariar cada vez mais seguidores. Embora muitos deles continuem a optar por os ter na garagem e ir apenas a encontros esporádicos fumar cachimbo.Mas nada podemos fazer quanto a isso, porque a perda é deles...
5 comments:
Mais uma crónica fantástica... Parabéns.
Já agora... Se algum dia tiver a oportunidade de passar pela minha cidade Natal, Peso da Régua, terei todo o prazer de o acompanhar numa vista pela região do Douro, o Mike no Pão de Forma e eu a acompanhá-lo no meu Seven (do qual pretendo ser um dono sem dó, com viagens longas)... Um abraço, André Araújo
Já tinha ouvido falar muito bem dele no "Top Gear"...
Excelente relato! ;)
Aqui na minha zona há um igual que se passeia regularmente, fazendo-se acompanhar de um Dino...
E verdade seja dita, este tem muito mais classe que o Italiano !!!
Independente dos aspectos mecânicos... e falando de estilos... também eu não gosto do seu aspecto exterior!!!
E mesmo eu que não sou entendida no assunto... acho que existem viaturas bem mais interessantes!
Bjitos e um bom fim de semana!
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