Friday 28 March 2008

Goodwood: O jardim dos Deuses


Numa imensa propriedade, junte uma pista, um aérodromo, um hipódromo e uma rampa. Polvilhe com o que de melhor existe no automobilismo mundial. Deixe ferver com 150 mil espectadores... Estrague tudo com um temporal medonho.Benvindo a Goodwood.


" Um rasgo de génio- Quebrando recordes e subindo a fasquia", foi a tradução livre do tema deste ano deste festival. Nesta edição, decidiu-se celebrar a obra de engenheiros visionários e pilotos destemidos, que arriscaram tudo na senda do sucesso. Ao retornarmos a Goodwood, ano após ano, receamos que a organização não consiga superar o sucesso e a novidade do ano anterior. Puro engano. Na edição deste ano,que decorreu no fim-de-semana de 22 a 24 de Junho, o desfile de engenharia sobre rodas deixou-nos uma vez mais sem reacção, obrigando-nos a curvar sem reservas perante este altar do automobilismo. É impossivel descrever na íntegra tudo o que nos é dado observar em Goodwood, mas sempre se pode tentar mostrar uma perspectiva do ambiente vivido. Vejamos:

A exposição Cartier Style et Luxe, por exemplo,colocou debaixo do mesmo tecto pela primeira vez na Europa cinco Bugatti Type 41 Royale, considerados os mais valiosos automóveis alguma vez transaccionados, num total de 60 milhões de Dólares. Dois vieram do Museé Nationale de France, um especialmente dos Estados Unidos, do Henry Ford Museum, e outros dois, de particulares. Construidos sem olhar a custos, estes diamantes a gasolina foram idealizados para locomover reis e principes. Contudo, a época de recessão em que foram lançados levou a que nenhum encontrasse garagem numa qualquer casa real. No pátio interior da mansão, a Ferrari mostrava alguns dos seus modelos, incluindo um carro da policia!

Esta exposição de beleza automóvel, o equivalente à americana Peeble Beach, tem como Juri personalidades que pouco percebem de automóveis, o que os torna isentos no julgamento da sua beleza . Este ano estiveram presentes o cantor Bryan Ferry e a bailarina Darcey Bussell. Bem como o designer de interiores Rolf Sachs, e o arquitecto Norman Foster.

"Construidos sem olhar a custos, estes diamantes a gasolina foram idealizados para locomover reis e principes."


A turma dos repetentes
Como se aquilo já fosse "deles", Stirling Moss e Jackie Stewart, na companhia de Nick Mason dos Pink Floyd, serviam de cicerones aos jornalistas, e deambulavam pelos paddocks da Formula 1, detendo-se demoradamente perante verdadeiras jóias.Desde um Blitzen Benz de 1909, passando por um Miller 122, ou um Duesenberg com compressor, de 1921.E um Miller-Ford.E um Penske-Ilmor que Lord March insistiu em "experimentar". E um Lola-Offenhauser. E um...A lista prolongou-se por horas.

Assim, um pouco mais ao lado, um paddock exclusivo para os modelos de motos que há exactamente cem anos evoluem pela ilha de Man, roubava alguns acompanhantes que já não conseguiam ouvir os senhores, com tanta aceleração.
Em pista, os imponentes bólides grupo C de Le Mans que ocupavam quase a largura da pista ( A rampa de Goodwood é uma mera estrada) aceleravam desdenhosamente,largando estampidos e melodias ululantes. As hostilidades começaram com um Porsche 917, seguido de um Jaguar XJR 12 Silk Cut, e de um espectacular Allard J2XC, danado como uma varejeira. Por todo o dia foi um desfilar de motores espremidos no limite ( supressores aconselhados) , que aguardavam "na bicha"ameaçadores, acelerando de impaciência. Por motivos de segurança, enormes fardos de palha retiravam a visão na recta da partida, mas uma vez libertados do semáforo vermelho,estes mísseis explodiam num êxtase de potência e som , e aceleravam sem piedade rampa acima como se tivessem sido acabados de roubar.

" Uma vez libertados do semáforo vermelho, estes mísseis explodiam num êxtase de potência e som, e aceleravam sem piedade rampa acima, como se tivessem sido acabados de roubar"


O ataque do Império

Celebrando os seus setenta anos de existência , e cinquenta de competição, a Toyota invadiu Goodwood em força este ano, açambarcando o espaço frente à Goodwood house, onde uma habitual , original e gigantesca construção metálica dominava o horizonte.

Por todo o recinto, era um exército de "engenheilos" , pilotos e moçoilas com as cores da Toyota. Parecia um jogo de computador. Por falar nisso, a Honda disponibilizava um F1 com um ecrân na frente, onde podiamos ensaiar um simulador. E trouxe o seu simpático robot Asimo, capaz de subir escadas.
Como não podia deixar de ser praticamente todos os "Topos" quiseram marcar presença.Por todo o lado era um desperdício de Jaguares, Ferraris, Aston Martin, Lamborghinis ou mesmo mais "baratos" Mercedes ,BMW, ou Audis.Surpreendentemente, a Rolls-Royce, abriu as portas do seu stand, e"deixou" instalarem rotativos e autocolantes nos seus exclusivos Phantom, para servirem de Safety car. A custarem mais que toda a correnteza de casas da minha rua, estes palácios sobre rodas deram-se finalmente a conhecer ao povo.( Por exemplo: um conjunto de jantes, nove mil contos! - Preço em Inglaterra.)

Estranhas maquinetas

Sendo o tema do festival deste ano a inventividade dos engenheiros, era de supôr encontrar um cocktail automobilístico pouco convencional. Assim, eis que um Monaco-Trossi de 1935 equipado com um motor de avião irrompe rampa acima como um Spitfire. E com um zunir indisfarçável, o Howmet TX de 1968 com motor de turbina de um helicóptero, a debitar 57500 rpm, lutava para não levantar vôo. Mais "normal", um popular Tyrrell-Cosworth P34 F1 de três eixos lembráva-nos do calvário que era, nos anos setenta, aos Domingos ver os Grandes-Prémio na Televisão,a preto e branco, onde tinhamos de gramar com o hino da Eurovisão, e depois vinha aquela voz roufenha do locutor pelo telefone " Srs. Telespectadores, em directo de...".Enfim.
Voltando aos "esquisitos", um Milliken MX1de 1960, de rodas inclinadas a 45 graus , quase que nos fazia gritar ao piloto: " Ó Chefe! Olhe as rodas!", mas não. Era mesmo assim.Idealizado por um engenheiro da Boeing, este modelo foi pilotado este fim de semana pelo seu criador, hoje com 94 anos! Um Ferguson-Climax de 1961,que foi o único F1de quatro rodas motrizes até hoje a vencer uma corrida . Como se não bastasse, também tinha um ABS primitivo, quase quarenta anos antes . E como estamos a falar de máquinas estranhas, eis que também réplicas motorizadas da série infantil " Wacky races", onde Dick Dastardly e o seu cão Mutley competiam com Penélope Pitstop e seus amigos, proporcionaram uns momentos de diversão enquanto subiam a rampa.Como sempre, Dick ficou em último...

A cereja em cima do bolo, veio com um modelo americano Chaparral-Chevrolet 7600cc de 1970, que empregava um motor extra, de uma moto de neve, para impulsionar dois exaustores, que sugavam o chassis contra o chão! Apesar de literalmente se assemelhar com um tijolo, era tão rápido, que foi banido...
Banido foi também o Lotus 88 de Colin Chapman, que incoporava dois chassis,um ultra rígido e outro maleável onde o habitáculo era instalado. No outro lado da pista, uma extensa zona foi coberta com brita, a simular Bonneville Salt flats no Utah , e onde estiveram expostos este fim-de-semana alguns dos veículos que bateram o record de velocidade mundial. La estavam o medonho Blue Flame, que colou as costas do piloto ao banco a mais de mil quilómetros por hora ( 622 mph)em 1970 ,ou os mais "vagarosos" Pumpkin Seed e Challenger 1, a atingirem respectivamente 233 e 466 mph.

Tudo estragado

Enquanto o Bugatti Veyron evoluia pela pista, espalhando a sua voz grossa por entre a plateia, os fotógrafos ao meu lado comentavam acerca de uma tromba de água visível a alguns quilometros na nossa frente..."- Está a vir para cá..." Bem dito e bem feito. Com grossas bátegas de água a explodir em nosso redor, apanhámos o equipamento e fugimos para o stand mais próximo, que era o da Porsche. O operador de Câmara do circúito apenas se escondeu debaixo de um larguíssimo oleado, e lá continuou a filmar. por pouco tempo, pois um Safety car SLK "envenenado", e com uns rotativos entrava na rampa, a adiar o espectáculo. Os espéctadores, fustigados pelo temporal, abandonavam os caríssimos lugares nas bancadas, e refugiaram-se nos andaimes debaixo delas. Por todo o lado, era um concurso de miss T-shirt molhada, onde mesmo matulões tatuados entravam. Ensopados até aos ossos,o homem da "Topos&Clássicos" enxugou-se observando os Cayenne lá fora a chafurdar alegremente na pista agora enlameada.

Porem, o temporal recusava-se a abrandar, e o pessoal improvisava oleados com sacos do lixo. Enganados por uma manhã solarenga, a maior parte dos visitantes não se preparou contra o mau tempo, e dirigia-se agora para os automóveis, ignorando o espectáculo que a esquadrilha acrobática da RAF, os "Red arrows" oferecia nos céus cinzentos e trovejantes. Uma pena. Para a próxima,trago umas botas de borracha e um fato de chuva.

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