Sunday 4 October 2009

É uma máquina portuguesa concerteza...



Made in Portugal. Um veículo comercial inteiramente produzido na terra de Camôes!

Hoje estive a experimentar um ícone inglês dos anos sessenta, equipado com um V12, um carro com o qual ao longo dos anos tenho tido uma relação amor -ódio. Espero após este fim-de-semana, ter feito as pazes com este modelo, e que passe a ocupar a partir de agora um espaço privilegiado no meu imaginário. Já lá iremos, no post a seguir.

Portugal, por muito que nos esqueçamos, teve a sua indústria automóvel, que tal como a inglesa foi votada ao ostracismo face à invasão estrangera de outros modelos. Portugal a determinada altura, produziu veículos que propulsionavam o País, de motorizadas feitas em Àgueda, a camiões no Tramagal e pesqueiros de Viana do Castelo. E autocarros UTIC de Lisboa, que equiaram a terceira maior empresa de autocarros DO MUNDO que foi a Ródoviária Nacional.

O modelo que vos trago aqui hoje,foi uma honesta tentativa de proporcionar mobilidade a pequenos negociantes espalhados por esse país fora. Sim. Isto é um modesto " triciclo das castahas" que tão alarvemente vilipendiámos durante os últimos anos. Sim. Esta é uma reles motorizada com um caixote de madeira à frente,igual ás que sempre vimos à saída dos barcos a vender castanhas enroladas em listas telefónicas.

Mas estes veículos, são no entanto considerados os primeiros comerciais portugueses totalmente construídos em Portugal, e deram a oportunidade a muitas famílias de terem o seu ganha pão. Centenas destes pequenos insectos nos aos sessenta, vinham de Sesimbra para Lisboa carregadas de peixe, em "enxames" pela estrada nacional. O veículo das fotos, por exemplo, percorria SEMANALMENTE a estrada de Tomar para Lisboa, onde vendia plantas de estufa. A pequena caixa na frente, servia para uma das filhas do agricultor viajar, em cima de um cobertor, numa viagem que demorava por vezes oito horas!

Fechada num barracão em Tomar, recentemente alvo de obras, esteve ameaçada de ser "oferecida" a um comerciante de sucata da região,mas um mail chegado à organização do "Sala das Máquinas" a dar conta do " crime" motivou a equipa "task force" inglesa a viajar de urgência a Portugal para resgatar o veículo.

Após um vôo logístico da Easyjet a partir de Liverpool, e de nos ter sido cedido um atrelado para trazer o veículo para Lisboa ( O sala das Máquinas agradece ao senhor Carlos Mota), eis que não nos podíamos vir embora sem pelo menos ouvir um motor Casal feito em Portugal com 45 anos a trabalhar. Isto se fôsse possível. Fechado desde 1976 dentro de um barracão com canas e alfaias, o pequeno piston estava colado. vela tirada e um bocado de óleo lá para dentro, e passados dois dias umas "porradas" com uma chave de caixa 36 " com jeitinho, descolaram-no. Depósito e carburador limpos , cheios com gasolina nova, e um tubo de gasolina ressequido substituído, eis que as primeiros pontapés no "Kick" mostraram os primeiros sinais de vida do motor.

Foi preciso depois dar uma "lixadela" nos platinados, e atar o veículo a um Renault Clio alugado, para o puxar rua fora,porque o cheiro a gasolina e a vela encharcada já não deixavam alternativa. Seguido de um " MôôôôôÔÕôÔÔõÕÕÕô !" acompanhado de uns "clecclecclecclecclec!!" de barulho a querer pegar, e de um fumo cinzento a jorrar como uma mangueira pelo escape apodrecido.


O piloto de testes do "Sala das Máquinas" em plena aceleração a bordo do raro veículo português

De repente, um "eeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee" contínuo e crescente, colocou o pequeno comercial português a funcionar de novo, após trinta e três anos parado. Como se tivesse sido desligado na véspera. Rapidamente desapertei a cinta que utilizei para rebocar a moto e a oportunidade para pilotar semelhante veículo tinha chegado.

É um momento solene, estar aos comendos de um veículo, cuja direcção é literalmente um ferro agarrado a uma caixa com um metro cúbico. A direcção deste veículo, é uma caixa com um metro cúbico. Curvar em semelhante bólide, implica esticar o corpo todo para fora deste na direcção contrária de onde se quer virar, empurrando a "caixa" para a via contrária. É como se estivessem duas motos lado a lado e estivéssemos sentados numa, a guiar a outra!
A aceleração deste motor, parado há mais de três décadas, não podia ser forçada, nem seria por isso nada digna de figurar entre uma lsta de motos de competição. Por outro lado, uma Hayabusa não conseguiria levar 200 quilos de peixe e um condutor gordo a acelerar a fundo.O seu a seu dono.

O pensamento permanente de que estamos a bordo de um veículo cujo único propósito foi o de proporcionar locomoção a baixo custo a pequenos negócios de pessoas com pouco dinheiro, enche-nos de humildade e de respeito. Por muitos Aston Martins ou Lamborghinis que guiemos, é com profunda admiração que um português tem a oportunidade de contactar com as suas raízes históricas no Mundo automóvel. Sim. Não fizémos grandes V8 nem jactos supersónicos, nem fomos á Lua. Mas entre nós, houve pessoas que sonharam com máquinas e levantaram do chão fábricas para as construir. Podemos dizer aos nossos filhos, que um dia Portugal fazia as coisinhas que precisava para sobreviver, e isso é algo que temos de preservar e relembrar.






Made in Portugal. João Casal, empresário português resolveu construir em Portugal este motor português, baseado no Zundapp alemão. Propulsionou um Pais em dificuldade! Durante décadas!


Tempos houve, que comprar Português, mesmo que estivéssemos a falar de motos, era uma opção! Eu queria antes uma Casal Boss do que aquelas "aceleras" Honda Vision" . A "bófia" tinha Umms. Os bombeiros tinham "Tagus" e " Tramagal".( E quase toda a frota construida com pedaços de camiões e jipes que o Exército e a Marinha deitavam fora). As empresas imobiliárias tinham Sado 550 e não Smarts. A Telepizza tinha Casal Boss.

Este veículo encontra-se agora praticamente desmanchado, e o motor em Inglaterra para ser rectificado e algumas peças maquinadas e soldadas. O caixote de madeira fortemente apodrecido está agora a ser copiado numa marcenaria no Seixal, e o chassis à espera de um dia destes ser todo decapado e pintado. Fotos se seguirão. Este comercial português, pelo menos, não vai perecer nas mãos de sucateiros. Um pequeno contributo do Sala das Máquinas, para preservar o património industrial e rodoviário português. Que por muito modesto que seja, merece e interessa ser preservado.

Marca: Mozer-Casal ( Made in Portugal)

Ano: 1963

Motor: Casal 49.9 CC (Made in Portugal)

Potência: 6.5 HP

Velocidade: Pouca

Travagem: Tambor atrás e tambores à frente

Capacidade de carga: Até dar para ver o caminho à frente e as rodas não rebentare

Sistema eléctrico: 6 Volts

Raio de viragem: Que raio de viragem!

6 comments:

C said...

Ora aí está um veículo muito bem salvado! Parabéns pela acção de preservação de um modelo de referência da industria motorizada nacional.

Anonymous said...

Espectáculo!!!

Faz cada descoberta!!!

Quanto a preservar a máquina, bem haja!!!

victor said...

Grande MArtins

victor said...

Grande Martins

mariam [Maria Martins] said...

Mike,

Tenho estado a ler e ver as últimas publicações, que grandes aventuras!parabéns! p'la ideia, coragem e ousadia de levar 'Portugal' estrada fora...

quanto a esta 'máquina', primeiro sorri, depois, compreendi que para o fim a que se presta, foi uma óptima invenção! parabéns ao autor e a si, por dar a conhecê-la!

um grande abraço e o meu sorriso :)
mariam

Miguel Brito said...

Que alucinação! Não esquecer restaurar também um "penico" de época para meter à cabeça e procurar uma camisa xadrez e umas calças de ganga coçadas a condizer, beber um garrafão de tintol antes de arrancar e chamar "patroa" á esposa...