Wednesday 15 July 2009

Um triste barco abandonado...



Mike Silva em Llanerch-y-mor, junto ao "Duke of Lancaster"...


Eu sei, que barcos há por aí ao pontapé, meros monstros inúteis jamais reparáveis, apodrecendo em cais e leitos de rios cheios de lodo, pilhados de tudo o que se desaparafuse e possa ser vendido na sucata.Não há grande interesse em falar sobre toneladas e toneladas de ferro ferrugento a apodrecer calmamente numa maré baixa , encalhado no lodo, enquanto as gaivotas circundam com o seu piar característico .


O desolado e inacessível local de repouso do magnífico paquete...



Quem vive no Norte de Inglaterra,ou no País de Gales, volta e meia ouve falar deste barco. " Já foste alguma vez ver o "Barco de Prestatyn"? Após tanto convite, a equipa de reportagem do Sala das Máquinas não aguentou mais, e resolveu colocar-se a caminho para ver afinal o que era isso do "Barco de Prestatyn". Não era bem em Prestatyn, popular estância balnear do Norte do País de Gales,conforme os populares me diziam quando eu parava para lhes perguntar. De um modo algo " alentejano", garantiram-me ser " já alí", em direcção a Queensferry e Chester. 20 KM mais adiante, na localidade de ( deixa cá ver se eu consigo escrever isto como deve de ser) Llanerch-y-mor, junto ao porto de Mostyn no Rio Dee que divide o país de Gales da Inglaterra, eis que dou com uma estrada suspeita onde figura uma boia de sinalização metálica gigante.



Apesar do aspecto exterior, o interior encontra-se inacreditavelmente conservado! A dificuldade de acesso evitou a pilhagem e o vandalismo.



Suspeitei estar próximo, e eis que passados uns metros, consegui vislumbrar por detrás de uns barracões lá ao fundo, a silhoueta colossal de um transatlântico branco-sujo no Horizonte. Era o "barco de Prestatyn"!O acesso ao local, é feito saltando vedações e percorrendo caminhos de erva crescida, enlameados com a chuva. Passando por debaixo de um viaduto ferroviário onde a infiltração pinga sobre nós, há que tomar cuidado com o equipamento fotográfico.A visão de um barco que parece estar plantado no meio do campo, e se agiganta cada vez mais perante o nosso passo, constratando com o céu cinzento carregado ameaçando chuva, mete respeito. Finalmente, eis que conseguímos chegar junto deste barco e tomar os primeiros apontamentos. Chama-se "Duke of Lancaster".





O "duke of Lancaster" nos seus últimos tempos de travessia para a Irlanda ( 1979)


Construído em 1956 pelos estaleiros de Harland&Wollf em Belfast na Irlanda do Norte, apenas para transportar passageiros provenientes dos comboios e efectuar a travessia do Mar da Irlanda, cedo foi aproveitado devido à sua dimensão para fazer cruzeiros pela Europa, tendo escalado por diversas vezes Portugal e Espanha. No entanto, as viagens apenas de passageiros perdiam terreno a passos largos para o transporte de automóveis e passageiros, e em 1970 o "Duke of Lancaster" viu um dos seus "decks" arrasado para possibilitar o embarque de automóveis. Operando na rota Heysham-Belfast até 1979, foi neste ano que alguém decidiu "estacioná-lo" no local onde se encontra hoje. Em seu redor, foram despejadas oitenta toneladas de cimento , com o intúito de o preservar e de fazer um Hotel. Infelizmente, os planos não passaram disso mesmo, e após uns tempos sendo utilizado como armazém, ninguém sabe o Futuro deste imponente e algo preservado navio. O acesso ao público foi proibído, tão somente por causa da dificuldade de acesso de veículos de emergência, incapazes de passar por debaixo do viaduto ferroviário de pequenas dimensões. Durante o pequeno periodo de tempo que o navio esteve aberto ao público, os visitantes referiram casos de assombrações e figuras estranhas na ponte de comando, o que só adensa o Mistério e o interesse em volta deste navio.





Aspecto do requintado interior.


Os seus navios "irmãos" encontraram destinos algo tristes também. O "Duke of Rotheray", foi desmantelado em 1975 para a sucata, e o " Duke of Argyll", rebaptizado de Zenith, incendiou-se em Hong Kong. Este é portanto o último sobrevivente.

Independentemente do juízo que facamos sobre este tipo de máquinas monstruosas, elas são um legado de criadores e técnicos como nós, que um dia tiveram um propósito. São uma colecção de esforços,fracassos, alegrias e desilusões, mas também o vento a bater na cara e a alegria das viagens. São o branco estonteante sobre o Azul forte do Mar. São o suor de toda a gente que durante meses ou anos soldou,aparafusou e construíu este barco. E que um dia foi para casa orgulhoso de tido parte nesse processo de criar uma máquina capaz de rasgar os Oceanos em conforto.





Outrora reluzente a sulcar os Oceanos, hoje uma mancha de ferrugem na paisagem inóspita a Sul de Liverpool...



Somos os fiéis depositários destas memórias. Um barco. Um barco ferrugento. Sem aplicação imediata nenhuma. Possivelmente, o ferro-velho. Mas sem dúvida uma visão nostálgica para qualquer apreciador de máquinas e do engenho Humano. Sem dúvida, um lugar de destaque num blog que não se cansa de admirar máquinas que desafiam o vulgar e o quotidiano. Caso o desmantelamento seja uma realidade futura, ao menos fica a contribuição de inúmeros sites na Internet sobre o Navio e a sua História, aos quais humildemente o Sala das Máquinas faz questão de se juntar.

Boa sorte, Duke of Lancaster...

3 comments:

Miguel Brito said...

Este é um caso raro em que posso contrapor uma história de sucesso em português: o navio Gil Eannes, hoje recuperado e atracado em Viana do castelo e a funcionar como pousada da Juventude, e contendo um pequeno museu do navio, guardando as memórias de longa vida.

MS said...

De facto, é muito parecido ao Gil Eannes. Por momentos, ao chegar ao local, até pensei que...Mas não podia ser...

Até para ser barco é preciso ter sorte...

Bruma said...

É inacreditável, que com os meios que se dispõem hoje não terem criado uma alternativa de modo a permitir que esse projecto não fosse por água abaixo!

Creio que os assustou foi as assombrações, ou então tudo não passam de histórias da população local, quando o desenvolvimento não é bem vindo. Quem sabe!

Jinhos