Tuesday 10 June 2008

Os carrinhos de choque e o descapotável dos pobres

( Nota: Na impossíbilidade de colocar aqui novos artigos, pois de momento nem no mesmo Continente estou,não queria deixar de partilhar com os meus amigos algo de novo, e eis, que , a título excepcional, coloco aqui em exclusivo, um dos textos do meu próximo livro que não posso ainda divulgar o nome, para que possam ter uma idéia. É uma crónica que me deu imenso prazer a escrever, e espero que gostem.)

Por Mike Silva

Na verdade, não há muito por onde escolher em matéria de automóveis , se vivermos num aglomerado de prédios e pertencemos a uma família da classe operária. Pricipalmente se ainda não tivermos dezoito anos. O mais próximo que tivemos dum descapotável, foi quando no fim de semana passado estivemos na tasca da Ti Maria a comer uns caracóis na esplanada. Sair aos fins de semana no banco de trás do Corsa , para ir visitar a tia Isabel a Massamá ,no meio de almofadas e mantas alentejanas não conta.


Mesmo assim, nem esplanada decente era. Chamar esplanada a meia dúzia de cadeiras e mesas de plástico dispostas sobre o passeio, a estorvar quem passa, mesmo encostadas ao Fiat Uno do vizinho do quarto andar, e quando olhamos para cima vemos a dona Lucinda a sacudir os tapetes, é uma enormidade.


O Zé Manel, de cigarro pendurado,botas de bico em Julho, e de capacete enfiado no braço, liga a "DT" com um violento pontapé, enchendo a minha imperial de fumo , e interrompendo a conversa sobre bola. Arranca rua acima, sem capacete, porque o capacete é só para ser utilizado em zonas com Polícia.
Assim sendo, é com êxtase que descobrimos ser a semana da feira aqui na localidade, quando um grupo de sinistros e duvidosos personagens de cigarro ao canto da boca e mangas cavas se entretêm a montar a pista de carrinhos de choque. Mais ao lado, outros sinistros personagens também em manga cava montam outros carrocéis, mas nada é tão "cool" como os carrinhos de choque. Estes montadores de carrocéis e afins, terminam todas as frases com palavras começadas com F, e C. " - Dá cá isso, C ...!" ou então, " - Tráz cá o martelo,F...!". Parece ser interessante.


Mal a noite aterra, eis que já consigo ouvir em casa melodias e músicas que se assemelham a martelos a malharem sistemáticamente na chapa. TumTumTumTumTum! É chegada a hora de ir para a feira. A muito custo, deixo a novela da TVI a meio, e ponho um boné ao contrário . Antes de sair, uma última passagem pela casa de banho, onde me olho ao espelho para corrigir o penteado. Nunca se sabe se a loira do filme do James Bond vai estar por ali, a ver os carrinhos de choque. Ou a filha da dona Carmo.


Uma vez chegado ao recinto da feira, o TumTumTum dos martelos aumenta, e o cheiro de farturas também. O gerador da barraca das cassetes sobrepôe-se ao Quim Barreiros roufenho, e a terra batida já está polida pelo passar das pessoas.
Os agentes da guarda, passeiam calmamente, como se também eles andassem a ver atoalhados e brinquedos de plástico. O intruja do microfone com fita-cola agarrada ao queixo, grita qualquer coisa acerca de um pacote de peúgas brancas a cinco "Éros", e vejo o vizinho do terceiro a agarrar frenéticamente um pacote e a dá-lo á ti Ermelinda.


A barraca dos ursos de peluche a da quermesse, continuam a abarrotar de ursos, dentro e fora do balcão, denunciando a "pouca sorte" dos participantes nas rifas. Aposto que naqueles papelinhos enroladinhos que nem mortalhas, nem um só urso daqueles grandes do mostruário lá está.
Mas é a pista de carrinhos de choque que procuro com ansiedade. Lá estão o Zé Carlos, O Pedro, o Zé Manel e o Maluco. Todos fazemos a pose de que " estou-aqui-a-ver-os-carrinhos-de-choque-porque-já-sou-muito-bom-a-conduzir-e além-disso-já-me-fartei." O que é facto, é que não tenho papel. Nem um tostão. Por isso, encosto-me naqueles estúpidos ferros atravessados que parecem um banco, e converso aos gritos com os outros pelintras de chapéu ao contrário e gel como eu. Como um ritual, cada um vai chegando e cravando um cigarro. Como um ritual, todos dizem que "só têm um. "


Entretanto, os altifalantes desgastados da pista vão debitando temas obsoletos de há dez anos atrás, com um som estridente e roufenho. Interrompidos de quando em vez por apitos psicadélicos que detêm os carrinhos conforme se encontrem. Acabou a volta! Segundos depois, outro apito soa e recomeça de novo o festival de luzes e sons doentios.
O maluco do Carlos foi falar com um gajo do outro grupo,que estava do outro lado da pista. São os gajos do bairro.Esses gajos só fazem é porcaria. Trouxeram as motorizadas Sachs e LC, e observam o movimento da pista com o capacete enfiado no braço. Vai haver porrada, porque o Zé Carlos estava a olhar para a miúda do gajo da LC. O palerma começou a estrilhar, e levou uma pêra . Está o caldo entornado. Rapidamente se puseram em debandada,porque a Guarda foi chamada. Mas eu e o Zé Manel ficámos ali quietinhos a ver os carrinhos de choque. E a ouvir " Pump up the jam" de 1988.


E também como, com extrema perícia , um dos empregados de bigodinho e mangas cavas estacionava os carros deixados de qualquer maneira na pista. Só com um pé dentro do carro, sentado na borda. Uau.Que piloto. Aposto que todas as miúdas devem estar a olhar para ele! Quem me dera um dia trabalhar numa pista de carrinhos de choque.E ter uma daquelas chaves em que não é preciso inserir as fichas para o carro andar!

Quando regressei a casa, sem loira do James Bond nem sequer a filha da dona Carmo, eis que o senhor Jacinto da tasca empilhava as cadeiras de plástico.Noite fraca, a julgar pelas poucas caricas no chão. Culpa da feira. Restava-me ir para casa, e adormecer a olhar para o poster do Lamborghini Gallardo.

1 comment:

Paulo said...

Caro Mike

Neste dia que é de todos nós e para si que está longe do País, da minha parte um muito obrigado pela boa imagem que dá do nosso País.
Continue.
Um abraço
Paulo Silva