Inicio aqui hoje , a nova telenovela dos clássicos, "Pão de Forma-de volta ao stand", que relata a história de uma vivência de duas décadas com uma carrinha VW, que um dia resgatei do lixo para tirar o motor, e acabei por a recuperar de tal modo que chegou a figurar num salão de exposições de um concessionário.
Bem vindos a este lata-biografia...
Capitulo I
O Inicio de tudo
Perdi a conta a todas as frases derrotistas que ouvi nos primeiros anos de posse desta carrinha." Mal empregado dinheiro que estás a gastar", " O caminho é mau, Vamos na tua porque e mais velha", " Vamos antes no carro do Carlos", " Vai estacionar isso ali para o fundo", foram algumas das pérolas que tive de suportar. Curiosamente, estas palavras de desconsolo forneceram-me o ânimo para manter e recuperar este veículo.
Tenho ainda na minha memória bem patente o primeiro momento em que ela entrou na minha vida. Estávamos em 1989, e eu prestava serviço voluntário como operador de telecomunicações nos Bombeiros da minha localidade, Cacilhas, uma povoação do outro lado do Rio Tejo, frente a Lisboa.
Numa das inúmeras chamadas que atendi nesse dia, o meu Pai ligou-me a perguntar se um motor duma carrinha Volkswagen daria para aproveitar para o Buggy. Sim, por esta data, eu já tinha um Buggy, de chassis curto e o pouco movimento entusiasta a volta dos VW, tornava escasso o fabrico de suplentes para estes veículos. Não era como agora, onde se pode voltar a encontrar material fabricado de novo,embora com infrerior qualidade. Não. Na década de oitenta, quem tinha um carocha, tinha de sobreviver com peças usadas. Na melhor das hipóteses, podia-se recorrer ao Rozécruz e à Auto-Marginal na Cova da Piedade, mas sempre com um esgar dos balconistas a dizer " Já nao há mais nenhuma peça destas, esta é a última..."
Claro que o motor dava para o Buggy. Ainda por cima era um 1192, igualzinho ao que lá estava instalado. Rapidamente apanhei a camioneta da extinta Rodoviária Nacional para a Cova da Piedade, onde o meu pai me aguardava no Stand Alves. O Stand Alves, nada mais era que um barracão de chapas de zinco, com vidros acrílicos, erigido ao fundo do estaleiro naval da Lisnave. Penso que ainda hoje lá esta, quando fôr a Portugal da próxima vez hei-de confirmar.
Propriedade do senhor Alves, retornado das ex-colónias, oferecia sempre uma vasta gama de carros usados, mudando o stock quase semanalmente. O mar não estava para peixe, e por isso os carros usados tinham muita procura. Nas traseiras do stand, la estava então a carrinha...
Tinha sido trazida em cima de uma camioneta, para ser comercializada ao preço da sucata, no comerciante mais ao fundo. Como era hora de almoço, o sucateiro estava fechado, e o motorista foi almocar na tasca pestilenta onde o senhor Alves estava a almoçar com o meu pai. Saindo do "restaurante", o meu pai nao deixou de notar que a carrinha apesar de bastante deteriorada, ainda tinha motor e alguns orgãos vitais. Tendo o meu "aval" de especialista, rapidamente a carrinha foi descarregada e comprada pelo senhor Alves. O meu pai não tinha dinheiro para estes caprichos.Mais tarde, pagaria as duas notas de cinco devidas. A matricula CB dizia que era de 1964.
A carroçaria, pintada de verde alface, estava bastante apodrecida em todo o lado esquerdo, mercê de ter passado muitos anos debaixo de uma varanda. Para ajudar, um enorme autocolante de uma águia fluorescente enfeitava a frente. Pelo que me consigo lembrar, nao faltavam grandes coisas, só o habitual lixo dentro do carro, e aquele cheiro de que estava parada ha muito tempo. O tablier estava pintado de branco, e corriam alguns fios eletricos suplentes por debaixo do banco. Na traseira, o pára-choques foi cortado em dois, aproveitando só as esquinas, e uns farolins quadrados de camião estavam aparafusados à carrocaria.
A porta traseira , completamente apodrecida, não abria. A tampa do motor caira. O pilar A do lado do condutor estava só seguro pela tinta. A porta do condutor corria o risco de cair a todo o momento. A caleira do tejadilho, completamente desaparecida deixava entrar água a jorros, só evitada por panos e jornais atamancados dentro da carroçaria.
Sim, realmente, era apenas para tirar o motor...
Nos dias seguintes, iniciei um novo passatempo de ...nem sei bem o quê . Mas o que fazer? eu não tinha posses para manter mais um carro, ainda por cima um "Monstro " destes. Bom ao menos pensei em dar-lhe uma esfrega, tentar pôr o motor a trabalhar, e dar umas voltas as redondezas. Podia ser que se revelasse um autêntico caranguejo, e eu então nao tivesse pena nenhuma de a deitar fora. Assim fiz.
Aproveitando a bateria de seis volts encontrada dentro da carrinha , misturada com trapos, jornais, peças e alguidares, e dando um "encosto" com uma bateria de doze volts, a lendária carrinha arrancou com tal pujanca como se tivesse sido utilizada na noite anterior. O apodrecido escape emitia um agradável som "Harleydavidsonesco", o que contribuia para o " feeling".
Inspirado por umas permissíveis e pouco visiveis autoridades, resolvo meter-me ao caminho na Nacional 10, até as oficinas dos bombeiros. Eram dois quilómetros, sempre a direito. Ainda não tinha carta, nem documentos , nem seguro. Mas ia guiar um pão-de-forma pela primeira vez!
O pensamento de que algo podia correr mal , estava submerso pelo êxtase de comandar tão grande navio . O motor ecoava lá atras, como se eu estivesse a ser perseguido por uma moto.
O interior branco pintado a pincel , reflectia o belo dia de sol, contribuindo ainda mais para a sensação de imensidão.
A direcção desalinhada, os pneus semi-vazios, e os rolamentos gripados, tornaram esta viagem única, fazendo -me pensar que realmente eu meto-me em cada uma!
Comecei a imaginar-me capotar e embater contra a rede da Lisnave, com polícia e bombeiros,e depois estava mesmo prejudicado com "F".
Mas não. Passados uns minutos, cheguei as oficinas dos Bombeiros, onde o Cândido e o João Galinha disseram que o motor parecia estar a trabalhar bem. Deixei sempre o motor a trabalhar, e regressei a cova da Piedade.
Cada vez menos me apetecia desfazer da carrinha...
Para ajudar, o som piedoso emitido pela buzina, originou-lhe a primeira alcunha: Muick. Agora, já não era " A carrinha"...era a "Muick."
Próximo capítulo: As primeiras aventuras.
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