Entrámos nos anos oitenta com o terramoto dos Açores. Mas o panorama automóvel ensaiava também um semelhante cataclismo, despedindo-se da forma clássica de fabricar automóveis que perdurava á quase cem anos.
Durante este periodo, os automóveis tinham como objectivo único locomoverem-se pelos próprios meios. Desde que andassem e travassem , estava concluido o caderno de encargos. Os accionistas de calças boca-de-sino ficavam satisfeitos, e iam para casa de Ford Cortina.
A quase totalidade dos carros tinha um carburador e pára-choques cromados. E farolins amarelecidos ou estalados . O "gasoil" era para os motorista de bigode e bóina das camionetas, que comiam sandes de torresmos na tasca da tia Ermelinda. Nas séries de ficcão científica falava-se do futuro em que todos os carros teriam de ir á inspecção.
Nos anos oitenta, olhavamos para o Land Cruiser bj40 , como se fosse um X5. Não transportavam traficantes , empresários pouco escrupulosos e mamãs endinheiradas como hoje, mas sim pessoas normais que nos cumprimentavam. Um ou outro burgesso gordo azeiteiro, mas nada de importante.O barulho de motor da Toyota Dyna atribuia-lhe o certificado de robustez.
Os Minis começavam a deteriorar o autocolante fatela que traziam na traseira " É tão giro ter um mini", e os Morris Marina iam sendo trocados por mais modernos Renault 12. Os Morris Marina precisavam sempre de "mandar vir peças de Inglaterra", e por momentos, o pais de Benny Hill parecia assustadoramente longínquo e incontactável. Venha um Renault 12, então!
Os vizinhos peneirentos do terceiro andar, desdenhavam do "mata-sete" do meu pai, alcunha adquirida em África pelo veloz BMW 1600, enquanto lavavam com afinco o seu novo Datsun Sunny. Que apesar da modernidade, continuava a ter um tubo debaixo do carro para fazer rodar as rodas traseiras, e um motor pouco melhor que o do Ford T.
O primeiro carro que realmente nos preocupou, com aquele medonho anúncio na televisão a dizer com grande pompa, que era o primeiro carro com igniçao electronica do Mundo, foi o reles Citroen VISA.
Lembro-me da primeira vez que vi um VISA. Azulinho turquesa com a palavra "Citroen VISA" atravessada em todo o cumprimento. O seu formato e os pára-choques de plástico originaram muita galhofa nos cafés por esse pais fora, augurando choques frontais onde o condutor ficaria sentado no meio da estrada com um monte de plástico no colo. Aqueles comandos em satélite na coluna de direcção, faziam-nos ficar pasmados a olhar para o interior do carro, e perder mais um episódio do Espaço 1999. Mas aquilo é que era o futuro, e não uns gajos na Lua a combater extra-terrestres que falavam todos ingles. O barulho de motor do dois cavalos, devia ser uma homenagem ao ícone francês. No mínimo, era um reactor disfarçado. Só podia!
Depois veio o Austin Metro, que insistia ser" o primeiro carro fabricado totalmente por robots." Atras dele vieram os Montego e Maestro. Todos com um "moderníssimo " motor série B. Até que fizeram a gracinha de instalar uma injecçao monoponto. A primeira vez que vi uma injeccao monoponto, pareceu-me uma injustiça e um desplante! Que idéia tão parva de tirar o carburador aos carros.
Depois vieram os bonecos dos testes de colisão, também parvos porque eram cor de laranja, tinham orelhas com uma roda ás cores, e não tinham expressão. Um pouco como os compradores dos Montego e dos Visas.Vieram os plásticos por todo o lado e feitio. Vieram as superficies deformáveis. Vieram os poligrupos. Vieram o espelho do lado direito. Vieram os cintos de segurança atras. Vieram as cadeiras para criancas. ( Estranho! Nunca tive uma....)e vieram os seguros obrigatórios. Abriamos os capots, e uma estranha visão de caixas de plástico decoravam os estranhos motores agora transversais.Em vez de oito fusiveis, tinham agora 47.
Lembro-me do Renault 4 e do dois cavalos a aguentarem até ao último minuto a bandeira dos carros construidos "como deve de ser". E a perecerem em combate. As pessoas queriam um carrinho de plástico moderno, que pudessem mostrar aos vizinhos, e estivessem disponíveis numa cor distinta. Cinzento metalizado.
Os Carros entraram então nos anos noventa, mascarados de computadores sobre rodas, mas de muito fácil manutencâo. Se a correia de ventoinha se partisse, bastaria mudar o motor! E fáceis de adquirir. Não precisaríamos nunca mais ir ao banco assinar letras, porque poderíamos pagar comodamente em casa, em 452.163 prestações. Se ainda tinhamos carro no final de pagarmos o crédito? Ora isso são outros quinhentos, não é verdade?Tambem não podemos ter tudo...
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