Esta é uma homenagem a uns certos utilizadores da estrada algo incompreendidos e quase sempre esquecidos...
O dia começa quase sempre muito antes de toda a gente. Dia após dia, os motoristas profissionais são largados em "território inimigo " a contra-relógio, tripulando aparelhos com largas centenas de milhar de quilómetros e feridas de "guerra" na carroçaria.
Dia após dia, estes veículos não conhecem o significado de circular prudentemente, pois algures, alguém está á espera de algo, urgentemente. Sejam medicamentos, fruta, assistência , ou peças. As mudanças de velocidade assemelham-se a bastões brandidos pela Polícia numa manifestação, com movimentos repentinos e brutais. Há que conseguir colocar -nos antes do AX guiado pelo idoso, para poder chegar ao outro cruzamento antes que o sinal feche.
Como mesa de escritório, um empoeirado tablier marcado com pegadas dos ajudantes de motorista, aprendizes de palavreado foleiro de um qualquer Fernando Rocha, e jornais velhos comprimidos entre o pára-brisas. O rádio, a debitar uma estação qualquer ao calhas, daquelas que passa a mesma música de dez em dez minutos, perde sinal no túnel das Amoreiras. Para ressuscitar de novo frente ao Marquês, com um cantarolar piroso da Romana.
Estes veículos não têm conta-rotações, porque seria demasiado doloroso assistir ao destruir sistemático da mecânica. Mesmo jovens furgões de matricula actualizada, qual meretriz tailandesa, apresentam já marcas indeléveis de abuso e brutalidade por todo o corpo.
Reféns de horários apertados e rídiculos, os motoristas profissionais desdobram-se em proezas perigosas sustentadas por estúpida e inexplicavelmente potentes e velozes furgões. Ninguém consegue "competir" com um desses novos macro-furgões , esses gigantes brancos propulsionados por nitroglicerina que são as Sprinters, numa auto-estrada. A Brigada de trânsito deveria de adquirir Sprinters, em vez dos "lentos" Impreza...
O motorista é uma pessoa sozinha e solitária. Muitas das vezes, nem parar pode, devido aos horários, e engole em andamento um desses triângulos a que ternamente chamam de sandes, das áreas de serviço, regada por um refrigerante qualquer, e umas batatas , que se acabam sempre por espalhar no banco do pendura. Chamadas da Natureza, são resolvidas com recurso a expedientes pouco narráveis , em fracções de segundo, pois pode aparecer alguém.
O telemóvel, esse monstro doentio que sequestra a nossa paz, toca de cinco em cinco minutos, apesar de quem telefona saber que é proibido atender em andamento. Mas tudo é mais importante do que a Lei, desde alfaces a discos de embraiagem para entregar em Loures. Por isso, o motorista entra na era da ficção científica adquirindo um desses auriculares pirosos que "enche" a orelha toda com cromados e luzinhas, a que chamam de "Blutute". Genuínamente, pensa que a sua imagem e Sex-appeal saem melhorados por pendurar aquela parvoíce na orelha.
Em manobras capazes de fazer Fernando Allonso deitar as mãos à cabeça, embates violentos são evitados no último segundo, seguidos de um insistente espasmo muscular sobre a buzina, acompanhado por adjectivos pouco sociais gritados pela janela, ou por movimentos utilizando os dedos. E a rádio interrompe a Monica Sintra para dar as notícias, de que os impostos vão subir, e o poder de compra baixar. Entretanto as embalagens vazias dos triângulos, são atiradas para o chão lado do pendura.
No final do dia, há que esquecer a celebração de ter escapado ileso, e procurar desafiar o trânsito de hora de ponta, para finalmente voltar a casa. Cedo, bem cedinho, o motorista profissional terá de pegar no seu Spitfire urbano, e ir combater uma batalha que lhe permita conquistar um mundo melhor .
Thursday, 31 January 2008
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2 comments:
Realmente, as pessoas esquecem-se que os motoristas da distribuição desempenham um papel fundamental no dia-a-dia das sociedades.
O que li parece ser um relato preciso das dificuldades e pressão a que estes profissionais estão sujeitos.
Os motoristas da distribuiçao são os herois esquecidos da sociedade.
As pessoas querem as coisas lá a tempo e horas, mas não fazem ideia do terror que está por trás disso.
Os motoristas trabalham em condições por vezes desumanas e injustas, e debaixo de muita pressão para cumprir horários.
Boa Mike!
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