Com a crise petrolífera dos anos sessenta e setenta, dois grandes tipos de maquinaria surgiram no panorama mundial: O carrito pequeninito, e o Superpetroleiro. O primeiro, serviu para contornar a dificuldade das famílias em acederem e manterem um meio de transporte. O segundo, para contornar o Cabo da Boa Esperança, para trazer mais petróleo sem passar pelo canal de Suez.
Desde muito cedo, que convivi com estes monstros gigantescos dos mares. A minha "creche" e respectiva carrinha de infantário, sempre foram os rebocadores da AGPL, e so navios enormes que procuravam Lisboa para reparações. Em tempos onde não existia o políticamente correcto, nem a obcessão incontrolável da segurança, era "normal" eu subir um portaló ao largo de Lisboa, ás cavalitas do meu Pai. Depois de ter feito uma curta viagem num rebocador ou numa lancha de apoio. Batia aos pontos o dia-a-dia do Zé Manel, e do Ricardo, que tinham de gramar com uma sala de infantário a fazer Legos e a comer Cerelac...
Lembro-me perfeitamente do primeiro superpetroleiro que visitei, o " MV Herminius". Um problema qualquer numa máquina qualquer, e teve de fundear próximo de Sines. Nada como um passeio de rebocador ( o Albertina) pela costa, a levar com chuveiro das ondas que explodem na frente do rebocador, que sobe e desce como se fosse um UMM largado a toda a velocidade na pista de Fronteira. Era como fazer surf com uma prancha de 200 toneladas e 17000 cavalos.
A entrada no petroleiro, feita por uma escada metálica baixada por uma grua, paralela ao costado, tinha um problema: Tão depressa estavamos no primeiro degrau, como no nono! Quando nos preparávamos para meter o pé no primeiro degrau, a ondulação eleváva-nos para quase dois metros acima, tudo decorado com uma fachada preta que parecia um prédio ,onde os pneus velhos do rebocador raspavam assustadoramente.
"Vá lá, pá. Não sejas maricas!"
Gritavam os marinheiros de barba rija, apoiados apenas com uma mão num corrimão, como se estivessem na sala de jantar . Para ajudar á festa, os degraus eram em concha, para melhor se adaptarem ao angulo das marés, ou do porto . Era como subir degraus em forma de poleiro, feitos em rede, onde podia ver o Mar por debaixo dos pés.
Uns anos mais tarde, visitei a maior máquina que alguma vez ousei pensar, um monstro completamente pintado de verde, de bandeira iraquina,chamado Al-oua qualquer coisa. Tão grande, que ocupava a totalidade de doca 13 na Lisnave. A maior do Mundo, como sabem. A capacidade dos QUATRO motores, era medida em METROS CÚBICOS. Um piston sobressalente arrecadado na sala das máquinas ( Ora aqui está um termo curioso) era do tamanho de uma ROULOUTTE! Uma vez no seu convés, para aceder ao piso inferior, onde se procedia a umas medições com raios X para determinar a espessura dos tanques de lastro, tinhamos de descer novamente o equivalente a um prédio de OITO andares. Tudo pejado de maquinaria e bombas, tubos e luzinhas a apagar e a acender.
Para afundar estes navios, costumavam apontar os mísseis á sala das máquinas. ( Isso lá é coisa que se faça?)..Os restantes compartimentos são estanques entre si.
Este "veículo", chamemos-lhe assim, consome uma espécie de graxa de sapatos, chamada "nafta", e precisa de uma hora para parar. Por isso, antes de passar por baixo da ponte sobre o Tejo à hora do almoço, tem de desligar as máquinas ao pequeno -almoço, e ao passar pelo Bugio já tem de vir "desengatado". É comandado por um Joystick, e o piloto controla um painel onde se lê " Rudder Indicator. Isto nos anos oitenta.
Já nos anos noventa, foi-me dada a oportunidade e o prazer desmedido de realmente guiar um petroleiro, na costa Senegalesa. Um navio de bandeira Sueca, que avariou em Zighinchor a sul, na região de Casamance, e necessitou de ser reparado em Dakar. Por volta das três da manhã, subi á ponte onde o meu Pai e outro piloto se encontravam. Completamente escuro, e o navio seguia em piloto automático. Lá fora, apenas o céu africano escuro como bréu. Uma olhadela pelo radar DECCA, onde se tem de colocar a cabeça num envólucro de borracha,por causa da luz, pude ver a quase vinte milhas, um grupo minúsculo de pescadores locais .
Olhando pelo vidro, não se via nada! Nesta altura, o alarme tinha indicado a presença de embarcações, e foi necessário desligar o piloto automático. Sentado numa cadeira de " escritório", e comandando um joystick, "guiei" a maior máquina da minha vida. Apenas um pequeno desvio de alguns graus, mas que permitiu, meia hora depois,passar por um pequeno grupo de barcos de pescadores quase se encontravam fundeados ao largo da ilha de Carabane.
Hoje, a indústria de reparação naval está moribunda, e o meu Pai já não está entre nós para me proporcionar estas experiências. Foi o seu conhecimento do Mundo como um só local, e não como uma soma de países, que me levou se calhar a optar pelo estrangeiro para viver. Dificilmente voltarei a um petroleiro, ou a pescar espadartes com um cabo de aço e um bocado de carne presos na amurada.
Ficou o gosto pelas máquinas, e o profundo apreço e respeito por quem projecta,constrói, comanda e trabalha nestas que são consderadas as maiores máquinas existentes á face da terra.Superpetroleiros. Nunca os esquecerei.
Uma revisão a um " iate" destes, é o orçamento de estado de um pequeno País...
1 comment:
"...conhecimento do Mundo como um só local, e não como uma soma de países..."
Aqui está uma profunda verdade, dita com simplicidade das grandes coisas que nos marcam a vida.
Post a Comment